A relação torcida-ídolos

Em meados dos anos 90, quando jogava bola nas ruas com meus amigos de infância, havia uma disputa para ver quem seria o Zinho, Edmundo ou Evair durante as brincadeiras. Quase sempre escolhia o nosso eterno camisa 11, mas ficava igualmente feliz ao escolher os outros, afinal, sentíamos orgulho de fingir que éramos eles. Com a inocência de uma criança, ainda com seis anos, talvez não tivesse discernimento sobre a magnitude de um ídolo, mas assim que cresci percebi o que aquilo significava. Eram meus primeiros heróis, meus ídolos. 

Feito esse prólogo, cabe a pergunta: qual é a importância de um ídolo? Esquecendo as questões mercadológicas e focando apenas na parte sentimental, a importância de um ídolo é enorme, imensurável até. Um ídolo possui personalidade, é uma referência para uma nação, um símbolo de vitória, uma forte representação da camisa e um espelho no qual as crianças querem se refletir. Para alguns, é a razão de uma criança ir ao estádio pela primeira vez, para ficar mais perto de seu herói.

Nesses quase 100 anos de história, o Palmeiras adquiriu uma extensa galeria de ídolos, heróis, vencedores natos e que construíram uma identidade com o que fizeram dentro de campo, fundando alicerces para a posteridade. Desde Heitor até São Marcos, todos os que ajudaram a construir a rica história palmeirense são lembrados com carinho pela torcida. 

Falando em torcedor, ouso dizer que quando o assunto é a relação entre ídolo e torcida, nenhuma outra supera o Palmeiras no que tange a valorização dos ídolos. Onde quer que eles estejam, a torcida se mobiliza para estar mais perto deles e faz homenagens dignas da grandeza do ícone que ajudou a construir a história do Palmeiras. 

O caso mais emblemático na relação torcida-ídolo foi recente, ainda no início de 2012 quando nosso último grande ídolo, São Marcos, se aposentou. A procissão em homenagem ao santo goleiro foi um marco, algo sem precedentes na história do futebol e o melhor de tudo: foi uma iniciativa que partiu unicamente da torcida, sem apoio midiático ou sequer do clube, o que aumenta a grandeza do evento. 

Infelizmente, os grandes ídolos rareiam cada vez mais. Com o passar do tempo, se tornar ídolo em um clube – aqui, vale ressaltar que são todos os clubes - deixou de ser prioridade para um jogador e hoje a maioria não se importa em criar raízes com um clube. Preferem dinheiro, noitadas e uma vida de deslumbramento.  

A falta de ídolos nos dias atuais também reflete nas arquibancadas. Nos anos 90 e até durante as vacas magras dos anos 2000, os nomes dos jogadores eram cantados antes dos jogos, antes mesmo do hino do Palmeiras. Hoje, a falta de identidade entre torcida e jogador alcançou um patamar no qual nenhum nome é cantado antes da partida, em uma relação que ficou indiferente – justa e recíproca, se analisarmos a realidade atual. Precisamente falando, de 2010 pra cá, especialmente quando jogadores com potencial para virarem ídolos cometeram diversas presepadas ao longo de suas trajetórias com a camisa alviverde.

É verdade também que o critério para a escolha de um ídolo também abaixou bastante, ficou mais banalizado. Jogadores com um futebol um pouco acima da mediocridade geral e que não seriam reservas em esquadrões anteriores, tinham tratamento de ídolo. Pierre, que era um volante ok e tinha mais raça do que técnica, até hoje tem a idolatria de parte da torcida, para ficarmos em apenas um exemplo. Outros, nos quais me recuso a citar o nome, tiveram ataques de estrelismo e colocaram interesses pessoais acima do Palmeiras, desprezando o carinho da torcida. Pior, sem terem conquistado 10% do que ídolos do passado conquistaram. E se o carinho da torcida do Palmeiras é algo incomparável, o desprezo para quem desrespeita a camisa alviverde é bem proporcional.

No Palmeiras atual, temos jogadores que tecnicamente tem potencial para virarem ídolos no futuro, como é o caso de Alan Kardec, que é um centroavante inteligente, em trajetória ascendente, com boa técnica e que parece entender a importância do Palmeiras. Henrique, nosso atual capitão, também possui esse potencial, tem técnica acima da média para um zagueiro, joga também como volante e já tem história ao conquistar dois títulos importantes no Palmeiras sendo fundamental em ambas as conquistas. 

E ainda no Palmeiras atual temos Valdivia, que é um caso de idolatria que divide opiniões. Tecnicamente falando, é o melhor meia em atividade no Brasil e ninguém contesta a importância dele entre 2006 e 2008, sendo o cara durante a conquista do Paulista-08 e se tornando um jogador que os rivais sentiam um misto de ódio, admiração, medo e inveja. Quando voltou em 2010 foi uma catarse, todos comemoraram a volta e em tese ele seria o cara para assumir a responsabilidade para uma nova era de conquistas – e pelo que tínhamos visto anteriormente, ninguém duvidava disso. Infelizmente deu errado. Hoje Valdivia passa mais tempo parado do que em campo, não participa dos jogos decisivos, teve sua culpa na queda para a segunda divisão, se omite em relação à liderança do grupo e parece desprezar a representatividade que tem (ou tinha) junto à torcida. Hoje não é mais unanimidade, uns querem ver ele fora do time pela mágoa adquirida graças às razões citadas (me incluo nisso) e outros ainda o defendem fortemente na esperança de que ele ainda renda o que um dia mostrou entre 2006 e 2008 e foi o que me fez questionar sobre o tema “importância dos ídolos”.

Mesmo com a mudança dos tempos, a falta de uma referência em campo que podemos chamar de ídolo é alarmante. Cabe aos jogadores, de modo geral, a missão de reverter esse panorama frio e sem alma que virou a relação entre torcedores e jogadores. 

O Palmeiras precisa de ídolos, de jogadores que as crianças se espelhem e que as instiguem a ir ao estádio pela primeira vez, ou mesmo fingirem que são eles nas brincadeiras de rua. Precisa de jogadores que sejam heróis, que chamem a responsabilidade e representem a camisa da maneira que ela realmente merece. Por sermos uma torcida exigente e passional, um jogador que entende essa importância e tem capacidade para fazer isso tem o nosso carinho e paciência. 

E ainda sinto esperança de que um dia voltemos a cantar os nomes dos jogadores antes das partidas, como fazíamos anteriormente. 

1 comentários:

Essa carência de ídolos nos faz até a "adotar" alguns que não merecem esse titulo. Com o Barcos foi assim, lembrei disso no trecho: E se o carinho da torcida do Palmeiras é algo incomparável, o desprezo para quem desrespeita a camisa alviverde é bem proporcional.
Meio que se criou uma regra de que ídolo só pode ser aquele que nunca jogou em outro clube, eu não vejo dessa maneira. Aquele que vem pro Palmeiras, que honre nossa camisa e nos defenda, que queira criar raízes aqui, vai ganhar meu respeito e quem sabe o status de Ídolo um dia. Estou na espero do novo.

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